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  • Foto do escritorCássio C. Nogueira

Como pode melhorar?*




Outro dia, escrevi um texto falando de ENERI, uma “pixadora” (a adoção do “x”, ao invés do gramaticalmente regido “ch”, se dá para distanciar o movimento do cunho político). Com o texto, pensei estar provocando uma reflexão, mas eu estava redondamente enganado.


Acontece que há duas mulheres incríveis em minha vida que vivem testando minha consciência e desafiando meu pensamento e uma delas me empurrou pra atividade de refletir e escrever mais, enquanto a outra me deu um tapa na cara (com todo o carinho, eu sei), ao me chamar a atenção para o que estava disfarçado de reflexão, mas que era, percebo agora, uma crítica severa e tendenciosa a algo muito mais amplo e complexo do que sugeriu meu texto.


Imediatamente, veio uma imagem em minha mente...


Ao parar num semáforo, na Avenida Tiradentes, num dia de chuva, vi um homem de idade próxima à minha, driblando as gotas geladas pra tentar trocar uma rápida faxina no para-brisas por alguns trocados essenciais pra sua existência. Sua expressão de desconforto, ou dor, ou revolta ⸻não sei dizer⸻, deixava claro o impacto negativo da rejeição que os motoristas insistiam em manifestar, sem qualquer disfarce. Isso sempre me atinge e, como de costume, já havia abaixado o vidro e separado um trocado que tinha na carteira. Quando o homem se aproximou de meu carro e começou a limpar o vidro, com certa dificuldade de alcançar toda a superfície, não resisti e, sorrindo, brinquei: “⸺O vidro é maior do que você pensou, né?” Ele olhou pra mim e, depois de alguns instantes de hesitação, sorriu e disse: “⸺A gente dá um jeito!” Trocamos mais algumas palavras, dei o trocado e quis acreditar que, por um curto momento, aquele homem deixou de se sentir excluído ou inferior e se sentiu um igual, alguém que faz algo útil e recebe outro algo útil em troca. Provavelmente quem mais ganhou com aquela cena, fui eu mesmo. Senti meu coração aquecido com o sorriso do homem ⸻e eu nem estava na chuva, como ele.


Falar sobre comportamento social demanda profundidade e reflexão ⸻eu falhei feio naquele texto. Fui superficial, frio, insensível, egoísta e tendencioso.


A distância social provoca reações adversas, algumas justificáveis, outras nem tanto, mas intrínsecas. A pixação pode ser muito mais do que depredação de patrimônios; pode ser um grito de existência, de sobrevivência, uma tentativa de resgatar parte dos recursos que foram negados àquela pessoa, algo que nem ela entende bem o que é e, por isso, aceita e recusa aleatoriamente os rótulos que a sociedade impõe a ela, seja em nome da cultura, do humanismo ou da segurança pública, mas sempre manipuladas pelo marketing. Da mesma forma, a contestação das donas dos muros e paredes pode estar gritando seus medos ou o orgulho de suas conquistas e também não entendem do que tratam, pois não percebem que “absolutamente nada é realmente de alguém” (palavras daquela mesma mulher incrível do tapa) e que nós só ocupamos os espaços, mas eles não nos pertencem de fato.


São relações artificiais, acordos velados e apropriações possivelmente injustas que estabelecem a propriedade a partir do capital.


Como isso pode melhorar?*


Se não houver mulheres incríveis em sua vida, como há na minha, questionar em você mesmo tudo aquilo que lhe deixa desconfortável, antes de tirar conclusões, é um ótimo primeiro passo. A partir daí, eu costumo olhar pra aquilo que eu gostaria que acontecesse e reflito sobre qual seria a forma mais eficiente e harmoniosa de obtê-lo, sem prejuízos, conflitos, ou desconfortos para quem quer que esteja envolvido, pra só então agir.


Em geral, quando eu penso única e exclusivamente no meu bem-estar, naquilo que eu quero, que me afeta diretamente ou só interessa a mim, acabo por buscar soluções rápidas e simples, tendendo a ignorar os outros e correndo um grande risco de afetá-los negativamente, o que pode e vai retornar de alguma maneira e intensidade. Entretanto, se eu penso em ganhos coletivos, não apenas me torno mais inclusivo, justo e útil ⸻o que já me traria conforto⸻, mas melhoro sensivelmente o ambiente em que vivo, com reflexos positivos diretos pra mim mesmos!


O que eu quero dizer é que acredito que, se eu encurtar a distância entre mim e o homem no semáforo, justamente porque eu posso ⸻eu tenho mais recursos⸻, ele sentirá menos dor, isso refletirá em menos rancor e se reverterá em menos conflitos, menos violência pra todos, inclusive eu mesmo. Além disso, eu já me sentirei melhor com o próprio ato, com mais sentido e menos medo pra minha vida, e isso me parece ser a melhor versão do “ganha-ganha”.


Isso não faz sentido pra você também?

 

* Esta frase emprestada, "Como isso pode melhorar?", é o cartão de visitas daquela mulher incrível, que vive chacoalhando minhas crenças e percepções.




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